Por: Marcia Belmiro | Educação | 13 de julho de 2020
O conhecimento técnico formal foi visto por gerações como o mais importante, senão o único, item necessário para a prática docente. No entanto, a visão mais recente é de que os cursos e títulos são fundamentais, claro, mas são apenas uma parte da formação de um educador. Ensinar não é apenas informar, mas orientar, fazer pensar de maneira mais ampla, provocar reflexão, e sobretudo estar disposto a aprender ao longo de toda a vida, dentro e fora de sala.
No livro Pedagogia da autonomia, Paulo Freire trata amplamente desta questão. Para isso, aborda o conceito de inconclusão do ser humano. De acordo com Freire: “É na inconclusão do ser que se sabe como tal que se funda a educação como processo permanente. Mulheres e homens se tornaram educáveis na medida em que se reconheceram inacabados. Não foi a educação que fez mulheres e homens educáveis, mas a consciência de sua inconclusão é que gerou sua educabilidade. É também na inconclusão de que nos tornamos conscientes e que nos inserta no movimento permanente de procura que se alicerça a esperança.”
“Não posso ensinar o que não sei”
Freire valoriza tanto a inconclusão assumida que a considera um saber fundante da prática educativa – sendo os outros a afetividade, alegria, capacidade científica e o domínio técnico a serviço da mudança. E reafirma essa posição no trecho a seguir: “Como professor não me é possível ajudar o educando a superar sua ignorância se não supero permanentemente a minha. Não posso ensinar o que não sei.”
No trabalho “A aprendizagem de si e do mundo dentro do Movimento Escoteiro”, a psicóloga Letícia Belmiro traça um paralelo entre Paulo Freire e o filósofo francês Jacques Rancière (citando sua obra O mestre ignorante). Ela diz:
“Em Rancière a aposta na emancipação intelectual é fundada também no conhecimento que o sujeito desenvolve sobre si, sobre sua condição social e sobre o mundo que habita. Já em Freire podemos observar essa questão pelo ponto de vista da necessidade da ‘reflexão crítica’ em todo o processo educativo para que haja o desenvolvimento da autonomia. Na realidade, a reflexão crítica aparece tanto como princípio quanto como fim da aprendizagem. Para que o professor possa despertar esse tipo de reflexão em seus alunos ele deve, ele próprio, fazer esse exercício também de refletir sobre a sociedade, as condições em que se encontram as pessoas, sua própria potência como sujeito de transformação no mundo, e sobre a teia política que perpassa qualquer ação humana.”
E é nesse exercício de humildade mútua que o aprendizado se potencializa, transformando-se em saber – não só teórico, mas também prático – para professor e alunos. Citando novamente Paulo Freire: “Quem forma, se forma e re-forma ao formar, e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos, nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado.”
Fonte:
Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Paulo Freire. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
“A aprendizagem de si e do mundo dentro do Movimento Escoteiro: Um estudo acerca da experiência dos escoteiros”. Letícia Belmiro. Rio de Janeiro: UFRJ, 2020 (no prelo).