Criança saudável: o que funciona e o que não funciona?
Por: Marcia Belmiro | Crianças | 19 de novembro de 2019
Estamos assistindo ao aumento do bullying, do isolamento social e também ao aumento de diagnósticos de TDAH, autismo e depressão entre as crianças. Diante disso, frequentemente os pais se perguntam o que podem fazer para auxiliar seus filhos a serem indivíduos saudáveis e amorosos, quais caminhos funcionam e quais não funcionam para alcançar este objetivo – que é mais que uma meta, é uma missão de vida.
“As crianças, sensíveis como são, apenas refletem as doenças de nosso tempo”, considera Marcia em uma de suas palestras para pais. E continua: “Somos, hoje, uma sociedade autista, desatenta, depressiva. Estamos como os zumbis dos filmes: não nos encontramos, não olhamos no olho. E o problema não é individual, me parece que é uma consequência desse contexto da nossa sociedade pós-moderna.”
E, aí, aparecem muitas estratégias para resolver essas questões. Será que todas elas dão certo?
No cantinho do pensamento, a única coisa que a criança não faz é pensar. Isso acontece porque o indivíduo nasce com o sistema límbico – responsável pelos sentimentos e funções básicas do organismo – pronto, mas o neocórtex – relacionado às funções executivas nobres do cérebro (como analisar fatos, gerar critérios, fazer planos) – só atinge a maturidade na idade adulta. Ou seja, a criança não raciocina sobre a situação, não tem capacidade de analisar os fatos ocorridos e alterar seu comportamento a partir dessa pseudorreflexão no enfadonho cantinho do pensamento. E o pior é que na maior parte das vezes a criança se sente injustiçada, rejeitada e até mesmo abandonada, visto que não possui prontidão neurofisiológica para fazer uma análise crítica sobre as ações indesejadas que praticou.
Com os quadros de recompensas, a criança passa a agir “direitinho”, do jeito que os pais querem, mas só quando está na frente deles ou por um curto período de tempo. O objetivo passa a ser ganhar a estrelinha, o pontinho ou até o dinheiro prometido. Essa estratégia só estimula a criança a esperar algo em troca das pessoas para agir em prol do seu próprio bem-estar ou do bem-estar coletivo familiar.
Há casos em que existe o desejo do diálogo, mas acaba sendo um diálogo agressivo. Em geral a intenção é de conversar com os filhos com calma e respeito, mas na hora algo acontece que tira os pais do sério.
Marcia Belmiro continua: “Tenho visto o aumento de turmas de ioga para crianças, meditação para crianças. Essas atividades até tranquilizam os pequenos, mas não alteram seu comportamento, não fazem com que eles se sintam mais fortes diante do colega que pratica bullying, não fazem com que melhorem o desempenho escolar, não cessam a birra.”
As “soluções mágicas”, padronizadas, tampouco funcionam. Não é porque algo deu certo com uma família que vai dar certo com as demais, pois cada família é totalmente diferente da outra.
Tem ainda os “treinos de inteligência emocional para crianças”: Os pais levam o filho na sexta, “com defeito”, e querem buscar no domingo, já “consertado”. O que acontece é que a criança não volta “consertada”, e os pais chegam à conclusão de que ela “não tem jeito mesmo”, o que frustra a todos, criança e pais.
Quando os pais não sabem mais o que fazer, “entregam para Deus”, mas na prática o que acontece é que estão se distanciando de seus filhos e abrindo espaço para que pessoas mal-intencionadas seduzam/molestem a criança física ou moralmente.
Marcia acredita que nenhuma dessas atitudes é proposital, não há pai ou mãe que deseje o mal do filho, pelo contrário. Todos querem criar filhos justos e éticos. Mas dependendo de como se age, podem estar levando-os na direção oposta.
Quando essas situações acontecem, logo vem a culpa, que por sua vez não traz nenhuma solução aos problemas. Quanto mais culpa os pais sentem, mais culpa eles sentem – apenas isso que acontece, culpa leva a mais culpa. Mas é possível aprender novas estratégias e abordagens na relação com a criança para não precisar chegar nesse ciclo infinito de atitudes ineficazes e culpa.
Ao se trabalhar com a criança, é necessário atuar no sistema familiar como um todo. Não dá para cuidar só da criança “estragada”, nem cuidar só dos pais “estragados”. Ao cuidar da família, ajudando-a a se realinhar de acordo com os princípios específicos daquelas pessoas, é possível conseguir uma mudança efetiva.
O que funciona?
Levar a criança a pensar e tomar decisões próprias a sua idade, por meio de boas perguntas, fazendo o papel de “alter neocórtex” do filho;
Gerar autorresponsabilidade (e não culpa), levando a criança a perceber que ela é autora do que obtém em sua vida. Quando esse trabalho se inicia cedo, é possível ajudar a criar jovens e adultos mais autorresponsáveis e autorregulados;
Ajudar a criança a conectar o que pensa ao que sente;
Valorizar e elogiar, estimulando as atitudes desejáveis – em vez de ver sempre o que seu filho faz de errado, experimente mudar o foco e buscar suas ações de afeto, generosidade e respeito ao próximo;
Dizer não na hora certa – frustrar os filhos em alguns momentos gera uma aprendizagem necessária, mas sempre com clareza e critérios bem definidos.
O que não funciona?
Gritos – geram audição seletiva na criança;
Humilhações – a criança se sente não amada;
Abandono – não proporcionar ao filho suas necessidades básicas, como roupas, alimentação e afeto;
Punições – não trazem resultado efetivo e ainda geram mágoa na criança;
Cama compartilhada – atrasa a aquisição natural de autonomia, criando um “cordão umbilical emocional”.
O que funciona (para cada idade)?
1 ano: amamentação – além de alimentar, traz segurança e conforto ao bebê; música; silêncio; conversas carinhosas.
2 anos: estimular a interação com objetos e pessoas; deixar a criança livre no chão; estimular a mobilidade.
3 anos: contar histórias; estimular a dramatização; deixar brincar.
4 anos: estimular o cuidar-se e vestir-se; responder aos inúmeros porquês.
5 anos: estimular o autocontrole; oferecer limites.
6 anos: estimular o desenvolvimento intelectual e social.
7 anos: ajudar a manter seus compromissos e responsabilidades, sem ser algo imposto ou desagradável.
8 anos: oferecer espaço para se posicionar, dar sua opinião.
9 anos: orientar na apreciação de valor do outro.
10-12 anos: possibilitar recreação variada; orientar quanto ao excesso de competitividade; procurar desenvolver atitude científica (mostrando a diferença entre fato e opinião).
Em todas as idades: brincadeiras e tempo de qualidade.