Por: Marcia Belmiro | Crianças | 22 de abril de 2021
Recentemente correu a internet uma reportagem da BBC Brasil na qual pais se mostravam surpresos ao constatarem que seus filhos estavam adotando um novo sotaque por influência de youtubers.
Por exemplo, uma criança do Maranhão, sem ter ninguém conhecido no Rio de Janeiro, passou a falar “carioquês”, inclusive usando expressões e gírias características do Rio, de tanto que assistia aos vídeos dos influenciadores cariocas.
A matéria jornalística rapidamente viralizou, e nos comentários das redes sociais havia gente dizendo que o filho costumava se apresentar com a frase “Fala, galerinha do YouTube!”, mote conhecido de Felipe Neto. Havia até comentários de que essa tendência tinha atravessado o Atlântico, e que já havia se tornado comum que crianças portuguesas fãs de canais brasileiros estivessem falando tal como nós.
Em outros países esse assunto dá o que falar há tempos, e já tem até nome: “sotaque do YouTube”. Em 2019 várias reportagens documentaram o chamado “Efeito Peppa”: crianças dos Estados Unidos passaram a falar com sotaque britânico como os personagens do desenho animado inglês Peppa Pig, que não foi adaptado para o inglês norte-americano.
Em 2020, o jornal The Guardian noticiou o contrário: pais britânicos dizendo que suas crianças estavam falando com sotaque norte-americano após ver vídeos de youtubers dos Estados Unidos.
O tema vem sendo até estudado pelos cientistas. Uma pesquisa com 3.000 professores da Childcare.co.uk , uma plataforma on-line para prestadores de cuidados infantis descobriu que 25% dos professores do ensino fundamental percebem o fenômeno do “sotaque do YouTube” em seus alunos.
Na reportagem do The Guardian Jane Setter, professora de fonética da Universidade de Reading, sugeriu que algumas crianças podem estar buscando um “prestígio secreto”, ou seja, adotando deliberadamente uma maneira de falar diferente do padrão para de alguma forma se inserir em um grupo considerado mais influente.
Trazendo para a realidade brasileira, essa hipótese faz sentido: a maioria dos casos relatados por aqui são de crianças das regiões nordeste, sul e centro-oeste que começaram a usar os sotaques carioca ou paulista – que historicamente contam com mais prestígio.
Uma teoria criada na década vem sendo apontada pelos linguistas para explicar o “sotaque do YouTube”: a memética. O conceito, criado pelo biólogo Richard Dawkins, em seu livro O gene egoísta, reúne as palavras “meme” (termo que vem do grego e é relacionado à imitação) e genética. De acordo com Dawkins, os ícones informacionais (no caso, a forma de falar) seriam replicados, tal como os genes, mas essa replicação se daria socialmente, não hereditariamente.
“A preocupação dos pais seria mais produtiva se, em vez de discutir como as crianças falam, discutissem o porquê de estarem falando este novo sotaque. De modo geral, para alguém mudar seu sotaque é preciso haver uma relação próxima, uma admiração pelo indivíduo imitado. Quantas horas (por dia, por semana) seu filho está dedicando a assistir a youtubers? Que relação ele vem criando com esses influenciadores”, provoca Marcia Belmiro.
Marcia continua: “Considero importante também discutir sobre o que essas crianças falam: o que estão aprendendo com esses influenciadores digitais: é sobre a cultura e a história desse outro lugar ou sobre desafios on-line sem sentido ou até perigosos?”