Por: Marcia Belmiro | Educação | 10 de julho de 2020
“Ao longo da história, a escola se preocupou em disciplinar e normalizar os sujeitos e, mesmo negando seu interesse sobre a sexualidade, disso se ocupou. As instituições escolares se constituíram como uma das agências privilegiadas de formação das identidades de gênero e sexuais, com regulamentos que separavam, ordenavam e normalizavam cada um/a e a todas/os. […] Até o final da década de 1960 as escolas, assim como as igrejas, separavam espacialmente mulheres à esquerda e homens à direita.”
Este trecho consta no artigo “Gênero e sexualidade no campo da educação: Provocando deslocamentos e inquietações”. Nele, Graupe et al. analisam como a escola pode tratar das questões de gênero e sexualidade – inclusive quando escolhe não tratar delas.
De acordo com os estudiosos, as instituições de educação podem contribuir ao:
– Questionar visões preconceituosas sobre o desempenho intelectual, os projetos de vida e as perspectivas de trabalho de cada sexo;
– Estimular o desenvolvimento dos potenciais de cada um, independentemente de sexo, cor, etnia ou classe social;
– Discutir o papel da educação na produção das desigualdades;
– Ouvir e dialogar, refletir e redefinir a prática pedagógica, tornando-a mais coerente com as opções educativas declaradas pelo corpo docente.
O estudo de gênero, segundo Graupe et al., “possibilita entender que nascemos e vivemos em tempos, lugares e circunstâncias diferentes e específicas e, também, que existem muitas formas de definir e viver a feminilidade e a masculinidade. […] Estudar gênero, entretanto, não significa apenas considerar o olhar sobre as mulheres, mas sim privilegiar as relações de poder entre homens e mulheres e as diversas formas sociais e culturais que os constituem como ‘sujeitos de gênero’”, com o objetivo de que “a igualdade de gênero esteja nos projetos político-pedagógicos e nos planos de ensino”.
Diálogo com as famílias
O artigo aponta que uma das dificuldades dos professores em tratar da questão de gênero na escola é argumentar com propriedade com os pais que acreditam que essa não é uma discussão válida. Nesse sentido, Graupe et al. citam que nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) – um documento oficial para a educação do país –, os temas sexualidade, gênero e violência estão contemplados, portanto os educadores possuem um respaldo para justificar a importância e a necessidade de trabalhar essas questões com seus alunos.
No artigo, os pesquisadores ainda apontam que uma possibilidade de capacitar os professores a abordar os temas gênero e sexualidade em sala seria fazê-lo por meio de oficinas, de modo a trabalhar essas questões por um viés da prática, com discussões e dinâmicas, em vez da aula teórica pura e simples.
Questão de gênero
Ana Luiza Libânio é uma especialista em Estudos de Gênero. Em seu canal no YouTube, ela aborda esse tema de uma forma simples e didática. Seguem alguns trechos de sua fala que podem colaborar para o entendimento da questão de gênero e qual pode ser a contribuição da escola a esse respeito:
“Gênero é social, sexo é biológico, e determinado por um conjunto de características físicas. A sexualidade, por sua vez, é independente de gênero ou sexo. No entanto, o gênero sempre foi compreendido como uma manifestação natural do sexo, e não é bem assim.”
“Partir do pressuposto de que conhecemos a essência de alguém por suas características físicas é negar a individualidade. Podemos interagir, perguntando o que o outro quer ou do que precisa. Além disso, não criamos nossas crianças para viver nesse pequeno grupo chamado família, criamos para o mundo, e as escolas são uma miniatura do mundo. São a primeira experiência social de crianças fora do círculo da família. Se o mundo é diverso, as escolas também devem ser. E tudo bem se o professor precisar perguntar aos estudantes sobre sua identidade. Em qualquer contexto, devemos nos relacionar com a realidade do outro, e não com o que esperamos que o outro seja. Isso significa dialogar.”
“Ao pensar em questões de gênero na escola, não pensamos em impor, mas permitir e reconhecer a existência de comportamentos diferentes do padrão. É debater com os estudantes o que eles sentem necessidade de debater, e não somente o que nós, adultos, pensamos que eles precisam debater, ou o que julgamos que estão prontos para conversar. A educação, seja ela em qual contexto acontecer, deve permitir a existência e não forçar padrões nem proibir vivências.”