Por: Marcia Belmiro | Crianças | 02 de fevereiro de 2021
“Meu filho só ouve quando eu grito!”
“Toda mãe grita, não tem jeito. Melhor gritar do que bater, né?”
Não muito tempo atrás, a mãe que punia os filhos apenas com gritos era considerada um modelo de pacificidade. Hoje, no entanto, a ciência mostra que essa forma de agir pode causar prejuízos às crianças.
O artigo “Childhood Verbal Abuse and Risk for Personality Disorders during Adolescence and Early Adulthood”, publicado na revista científica Research Gate, detalha uma pesquisa feita com 793 famílias nova-iorquinas entrevistadas quando os filhos tinham 5, 14, 16 e 22 anos.
Dessa análise feita durante 17 anos, os cientistas descobriram que filhos que sofreram abuso verbal materno durante a infância tinham três vezes mais chances de apresentar transtornos de personalidade na adolescência e início da idade adulta (como paranoia e transtorno obsessivo-compulsivo) do que aqueles cujas mães não gritavam.
Apesar desse e de outros estudos com conclusões semelhantes, as frases que abrem esse artigo ainda são muito comuns em nossa sociedade. Desde 1990 existe no Brasil a Lei da Palmada, que teve sua redação alterada em 2014, passando a incluir a proibição a “tratamentos cruéis ou degradantes”, gritos aí incluídos.
Entre as mães que ainda defendem essa prática, a justificativa mais comum é que “esse menino é uma peste, só quer me irritar”. Elisama Santos, autora do livro Por que gritamos, falou sobre isso em entrevista ao jornal Zero Hora:
“O grito fala sobre mim, não é sobre o meu filho. […] A criança não perdeu a capacidade de aprender de outra forma, mas o adulto perde a capacidade de falar, chega em um limite. As pessoas precisam entender os seus limites, porque eles existem”, analisa Elisama.
O outro lado da moeda
Em contrapartida, muitas mães se culpam por não conseguirem deixar os gritos de lado, o que tampouco é eficaz. Uma pessoa que foi criada à base de gritos – ou pior, de palmadas –, ao se ver, agora na posição de mãe, numa situação de cansaço ou raiva intensa, naturalmente é levada pelo cérebro a agir de acordo com o padrão aprendido.
Isso porque em seu corpo é ativado o modo emergência, de ataque ou defesa, e nem toda teoria do mundo poderá ajudá-la – exceto quando há um esforço consciente para voltar à racionalidade e sair do modo emergência.
Um parêntese: Isso não significa que seus pais foram culpados, eles apenas usaram os recursos que tinham. Provavelmente eles fizeram o melhor possível com as informações que dispunham, tal qual você faz o seu melhor – ou alguém conhece alguma mãe que tenha a intenção de fazer seu filho sofrer?
Aqui, a chave é tomar consciência. Quando a mãe percebe que, apesar de seu desejo em fazer o melhor está prejudicando os filhos de alguma forma, esse é o primeiro passo para começar a agir diferente.
“Enquanto escondermos de nós mesmas que sentimos raiva, angústia (ou qualquer outro sentimento ‘ruim’), nada vai mudar. Entretanto, quando aceitamos nossos sentimentos, podemos refletir sobre como é possível agir da maneira que desejamos com os filhos, sem culpas nem tampouco desculpas, que não levam a nada”, considera Marcia Belmiro.