Coronavírus: Medos e ansiedades

Coronavírus: Medos e ansiedades

Por: Marcia Belmiro | Educação | 24 de maio de 2020

Não se sabe quando isso vai acontecer, mas é certo que vai acontecer. Quando acabar a quarentena e as escolas forem reabertas, os alunos retornarão às aulas bem diferentes em relação ao que eram antes. Para além dos protocolos operacionais que serão necessários para todo o grupamento escolar, é provável que os alunos apresentem medos e ansiedades relacionados à pandemia. Para que o professor possa se preparar para lidar com esses “novos” alunos, faremos uma série de artigos de blog sobre o assunto.

Neste texto abordaremos a situação atual, ou seja, o contexto de quarentena. No artigo “Saúde mental e intervenções psicológicas diante da pandemia do novo coronavírus (COVID-19)”, Schmidt et al., ao citarem Ornell et al., afirmam que “na vigência de pandemias, a saúde física das pessoas e o combate ao agente patogênico são os focos primários de atenção de gestores e profissionais da saúde, de modo que as implicações sobre a saúde mental tendem a ser negligenciadas ou subestimadas”. No entanto, “as implicações psicológicas podem ser mais duradouras e prevalentes que o próprio acometimento pela COVID-19, com ressonância em diferentes setores da sociedade”.

Os pesquisadores identificaram que o medo de contrair um vírus potencialmente fatal, somado ao isolamento social necessário para conter a propagação da doença e suas consequências diretas – diminuição das interações com outras pessoas, distanciamento da família e dos amigos – podem propiciar efeitos nas pessoas como “sintomas de estresse pós-traumático, confusão e raiva” (Brooks et al.). Além disso, “preocupações com a escassez de suprimentos e as perdas financeiras também acarretam prejuízos ao bem-estar psicológico” (Shojaei & Masoumi); e ainda sintomas de depressão e ansiedade (Wang et al.). Até casos de suicídio já foram reportados em países como Coreia do Sul e Índia.

No contexto desta pandemia, já se estuda a ocorrência do fenômeno de “traumatização vicária”, também denominado “traumatização secundária”, em que pessoas que não sofreram diretamente um trauma passam a apresentar sintomas psicológicos decorrentes da empatia por quem o sofreu (Li et al.). Ou seja, uma criança que não passou por nenhuma perda de alguém querido, mas acompanhou os noticiários e a preocupação dos pais sobre a saturação no sistema de saúde, as dificuldades financeiras ou a preocupação com os idosos da família pode, sim, desenvolver sinais de trauma.

 Para que você, professor, possa reconhecer esses sintomas nos alunos e em si mesmo, segue a lista que consta na “Cartilha para enfrentamento do estresse em tempos de pandemia”, produzida pela PUCRS e PUC-Campinas:

Sinais físicos: falta de ar (na ausência de um resfriado ou outro problema respiratório), dor de cabeça, dores musculares, aumento dos batimentos cardíacos, alterações drásticas do apetite e do sono (falta ou excesso), má digestão, sensação de “queimação” ou “peso” no estômago, diarreia, prisão de ventre, cansaço e falta de “energia”, tensão muscular, dores em geral sem causa aparente, tremores, piora no quadro geral de quem já tem uma doença.

Sinais emocionais: emoções excessivas e persistentes de tristeza, raiva, culpa, medo ou preocupação, humor deprimido, desânimo, irritação ou sentir que está com “os nervos à flor da pele”, indiferença afetiva (uma sensação de “tanto faz”, de estar “frio” afetivamente).

Sinais comportamentais: discussões e perda de paciência com as pessoas, evitar expressar e compartilhar sentimentos, aumento ou abuso de substâncias (remédios, álcool, cigarro e drogas), violência, agitação.

Sinais cognitivos: dificuldade de lembrar informações e ter “brancos” de memória, dificuldade de concentração nas tarefas, dificuldade de tomar decisões, confusão, pensamentos repetitivos e intrusivos (que “invadem a mente”) sobre temas desagradáveis.


Coronavírus e o conceito de desmentido

Não perceber os sintomas de estresse e ansiedade decorrentes da pandemia de coronavírus passa pelo que o psicanalista húngaro Sándor Ferenczi chamou de desmentido, isto é: o não reconhecimento de uma experiência vivida por parte de um outro de confiança é o que a torna traumática para as crianças.

Na prática, significa que quando o professor acolhe as marcas deixadas por esta situação e permite a expressão de tudo que foi vivido nessa pandemia sem precedentes na história (que as crianças vão invariavelmente apresentar), poderá lidar melhor com esses alunos – inclusive para ensinar o conteúdo necessário. Se, por outro lado, o educador tomar a posição de desmentir (ou seja, negar) essa angústia infantil, com frases do tipo “não foi nada de mais” ou “nós todos tiramos umas férias, não é?”, pode estar, aí sim, colaborando para uma situação de trauma nas mentes infantis.


Então como lidar?

Reconhecer e valorizar o que as crianças trazem parece ser a melhor forma de lidar com isso, dizem os especialistas. Antes, no entanto, é necessário que o adulto, tendo honestidade emocional consigo próprio, tenha conseguido refletir e lidar com os próprios medos e ansiedades.

A “Cartilha para enfrentamento do estresse em tempos de pandemia” apresenta algumas orientações sobre como dar esse primeiro passo para dentro de si mesmo, de modo a poder auxiliar seus alunos nesse movimento necessário:

Sentir raiva ou ter pensamentos negativos repetitivos (ex.: relembrar mágoas), não são atitudes que ajudarão neste momento. Identificar culpados pode gerar ressentimentos. Pensamentos negativos e pessimismo, além de levarem à falta de ação, podem desencadear consequências negativas para a sua saúde física e mental, e das pessoas à sua volta. Sugestões: Caso você esteja se sentindo dessa forma ou tendo pensamentos desse tipo, preste atenção em que momentos eles aparecem. Encontre uma forma de tolerar esse desconforto, tendo em mente que pensamentos e sentimentos podem não representar totalmente a realidade.”

Em uma sociedade assolada por fake news, dar atenção ao tipo de informação que se consome também pode influenciar em seus sentimentos e comportamentos relacionados ao coronavírus. “É preciso ficarmos atentos à importância da pesquisa e disseminação de informações qualificadas e científicas no combate ao medo e ao preconceito contra possíveis contaminados. E também fortalecer os vínculos sociais, fundamentais à saúde psíquica de qualquer indivíduo”, alerta a psicóloga Letícia Belmiro.


Gostou deste artigo? Continue acompanhando o blog do ICIJ para saber mais sobre medos e ansiedades relacionados à pandemia de coronavírus.

Fontes:

Saúde mental e intervenções psicológicas diante da pandemia do novo coronavírus (COVID-19)”. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-166X2020000100501&tlng=pt

Cartilha para enfrentamento do estresse em tempos de pandemia”. Disponível em: https://www.puc-campinas.edu.br/wp-content/uploads/2020/04/cartilha-enfrentamento-do-estresse.pdf.pdf

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